
Quantas vezes ao longo da nossa existência enquanto profissionais do feito à
mão já não escutamos isso? É cem? Faz por vinte? Dá um desconto de 35%? E de
40%?
Não dá pra você fazer por metade do preço e me dar o frete de graça? Eu
tô aqui do lado, no Azerbaijão. Não dá? Ah vá!
Exageros à parte e outra parte nem tanto exagero, a verdade é que esse tipo
de pergunta com clima de proposta dói. Dói muito. Ai, como dói. Dói demais. E só
quem sente a pontada no esôfago pode traduzir tal sensação. Aliás, ela vem em
estágios:
- Primeiro estágio A IRA, como alguém tem coragem de reduzir meu produto a
nada ao ponto de ter a cara de pau de pedir um desconto praticamente do valor
dele? Quer de presente, neném? Vá se catar.
- Segundo estágio A BARGANHA, então nos voltamos para o nosso centro (quando o
encontramos), escolhemos um mantra, respiramos bem fundo e partimos para uma
contra proposta. Mesmo sabendo que, na maioria das vezes essa contra proposta
não é sequer compreendida ou respondida… Não sei ainda o que é pior. Porque
quando ela é respondida faz com que nos sintamos más, mesquinhas, bruxas cruéis
cruzando o céu com suas vassouras. Durma com um barulho desses. Aliás, tal
barulho encadeia o próximo estágio…
- Terceiro estágio A CULPA, você se pega pensando na vida da pessoa que pediu
o desconto, numa casa simples, necessitada daquela almofadinha bordada que você
não teve a bondade de vender por menos da metade do preço… Daí pensa, será que
era uma estrela internacional? Será que era a Madona disfarçada de compradora
comum? Deus! Terei eu deixado de vender uma almofada com desconto para o Prince?
Ou pior, para a Duquesa de Cambridge? Não. Não, claro que não. Isso é só um
delírio da culpa. Culpa por não ter praticamente dado de graça um produto que
demorei semanas pra fazer entre pesquisas, compras de tecidos, desenhos,
bordados… Que espécie de pessoa se negaria a dar de graça seu ganha pão? Só uma
bruxa mesmo. Ah tá!
- O último estágio é um final feliz, normalmente a hora em que alguém sem
titubear joga no carrinho aquele produto ex fruto da ira, da barganha e da
culpa, transformando aquela transação comercial em um momento inesquecível de
felicidade e regozijo. Ai, como eu sou feliz!

Vida de montanha russa. Ela é assim pra todo mundo. Em todos os setores,
creio eu. Vezes no topo, outra despencando, noutra com aquela água vindo na
cara, na hora que o carrinho bate naquele riozinho de água parada… Que
beleza!

Não é fácil defender nossas ideias, nossos produtos. É
difícil pra algumas pessoas entenderem que o produto não é só aquilo que está
ali na frente dele, no nosso caso, numa foto linda. Ele é mais do que isso.
Existe uma vida antes e por trás dele. Pesquisa, tentativas e erros, dias,
tardes, noites de pensamentos e trabalho. E tem a gente, a nossa vida, as roupas
pra lavar, a casa pra arrumar, as flores pra colocar no vaso e combinar com a
manta do sofá, que cobre aquele pedaço arranhado pelos gatos… E tem o almoço,
pra quem tem filhos as crianças. E isso tudo, senhoras e senhores tá lá no
preço. Tá na vida da gente. Porque tudo que fazemos, bordamos e costuramos é
vida. E ela não dá desconto e ponto.
Só um descontinho eu dou :D
A gente tem que dar. Mas sempre valorizando o nosso trabalho, atravessando
nossos estágios com dignidade. Sem medo de perder aquele cliente por isso. Uma
vez uma amiga me disse uma coisa que eu nunca mais esqueci, ela disse que o
segredo da vida era ser boa sem ser boba. Difícil missão, mas bem longe de ser
impossível.